dezembro 02, 2004

Concepção Versus Conseguimento

É muito comum a evolução biológica ser tratada como um fenômeno que conduz uma espécie ao progresso. Uma imagem que frequentemente é usada para representar a evolução (aquela da escala que começa com um macaco quadrúpede, segue com homens das cavernas arqueados e peludos e, puxando a fila, um homem ereto e sem pêlos) mostra, como se fosse uma tendência evolutiva, macacos transformarem-se em humanos, em outras palavras, é como se existisse um "objetivo final" na evolução e este fosse formar humanos. O filme de ficção científica "O planeta dos macacos" (Tim Burton - 2001) segue o mesmo pensamento finalista, ao mostrar que macacos terráqueos que foram levados para outro planeta, desenvolveram características humanas, como a linguagem, a fala e um andar ereto.
O biolólogo e escritor Richard Dawkins em seu livro "O relojoeiro cego" (CIA das Letras) refuta a idéia de um projeto evolutivo que conduziria todas as formas de vida ao progresso. O relojoeiro (alusão à passagem do reverendo William Paley em seu livro "Teologia Natural" do final do século XVIII) é a seleção natural, e ele deve ser cego, ou seja, a seleção natural não dá passos em um sentido pré-concebido. Simplesmente as formas de vida fogem das adversidades impostas pelo ambiente, através de um processo de acúmulo de pequenas mudanças, combinado com reprodução diferencial dos indivíduos mais adaptados à essas adversidades. Não se pode prever qual será o próximo passo evolutivo de uma espécie.
No entanto, Dawkins propõe que existe casos em que pode haver um tipo especial de progresso. Quando há uma "corrida armamentista" evolutiva, pode-se conseguir progresso. Mas esse progresso é apenas na concepção e não no conseguimento. Imagine um predador que a cada geração vai ficando mais rápido, mais ágil, mais forte etc. Vemos um progresso em termos de concepção do corpo. Entretanto, este progresso seleciona presas mais rápidas, ágeis e fortes, que continuarão a oferecer dificuldades ao seu predador. Uma chita primitiva seguramente corria mmenos que uma chita atual. Mas isso não significa que uma chita primitiva passava fome. O progresso foi apenas na concepção. Não existe razão para supor que a chita atual tem mais sucesso nas caçadas do que as chitas ancestrais, pois as gazelas atuais também aumentaram sua velocidade ao longo do tempo, comparado com as gazelas ancestrais, através de um corpo melhor concebido. E ainda assim as gazelas não são menos predadas por isso. É certo que, se nem chitas, nem gazelas, corressem tanto quanto correm hoje, as taxas de predação seriam as praticamente as mesmas.